segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Sobre os segredos de liquidificador numa tarde de segunda-feira às três da tarde.





Daqui a pouco estarei eu na praia, correndo, correndo, firmando-me no espaço, cabeça sudoeste, tempo vago, sem cores e talvez sem coração.
Queria que o pulsar não atinjisse as minhas veias mas vibrasse metronica e compassadamente o meu ser. O meu espírito ser.
Quando sentir a brisa meio fria da costa leste que me banha todos os dias, quero tornar-me ar, rasgando as esteias que me prende ao chão, forjando-me contra o meu verdadeiro ser.
Poderia talvez, quem sabe, sentir mais, bem mais, muito mais afundo do que pudera eu, na minha complexidade tão volúvel sentir...
Queria um sorriso da melhor idade ou um choro de um bebê que não sabe o que quer.
Queria ver o mundo sendo ele próprio ou sendo eu próprio.
Gostaria de ver as pessoas mais doces, as vidas mais mansas e o mundo mais livre.
Queria eu ser um Deus, mas me gratifico por demais por ter a certeza que sou parte de um.
Nesta tarde, quero que o vazio se preencha todo dentro de mim.
Nessa tarde, quero eu não ser ninguém, quero querer o querer da forma mais ardente e sedenta possível.
Quero não me ter em pensamento e me ter na cabeça de alguma menina que ainda não me tem.



Bruno Falcão

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Amante de Santa






Nunca durmo muito
Por que muito durmo eu tanto
Quando perco a voz do canto
Quando a tinta resta à pena
E escrevo à pequena
Da mais doce virgem santa
Que nos sonhos entre tantas
Faz de mim coisa relenta


E me pisa com orgulho
Só pra ter a voz no rosto
E nos olhos o meu gosto
De me ver sacrificado
Santa cheia de pecado
Vê a prece do seu moço
Antes que lhe fique o osso
Sem deixar o seu recado


Vim rasgar-me nos teus braços
Mas a ti só tenho a SORTE
De talvez ganhar a morte
Nas loterias da vida
Como coisa prometida
Eu te coloquei na mente
Por que o peito já não sente
A dor que traz na batida


Uma santa concebida
Pra fazer em mim ruindade
Num tem gente que maltrate
Um caboclo adormecido
Como o seu amor vendido
Que lhe entrega crueldade
Como faz a humanidade
Quando diz amar alguém


Mas não imito ninguém
Entre tanta regalia
Eu prefiro o desgosto
De amar santa na dor
Do que ver a burguesia
Guardar todo seu pudor
Por não ter a poesia
De pecar e ser feliz


Pois não há gente que diga
Mesmo com benção de padre
Ou com reza de pretinha
Eu vos digo de verdade
Que um dia Deus acabe
Com a santa que foi minha
Nos meus sonhos eu a tinha
Toda cheia de maldade.


Bruno Falcão

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Pecado Moreno



Morena, mulher carinhosa
Ardente, divina e serena
Morena, menina cheirosa
Morena, formosa morena

Um terço de saia de rena
Metade mais linda da rosa
Cintura de corpo pequena
Nos quartos, tão linda e gostosa

Meu peito não bate só grita
Minha fala não canta só cala
Quando a morena se arrisca
E me morde desnuda na sala

Meu mundo de baixo se agita
O anseio no peito me embala
E a unha pontuda e postiça
No esmalte do corpo se rasga

Por fim minha alma se atira
Num gozo veloz como bala
E a morena me xinga
Me beija, me cheira e me amassa

sábado, 27 de agosto de 2011

Nossa Senhora dos prematuros




Sonhei que sonhava que morria
No celeiro do sertão do cabrobó
Minha vida como um filme transcorria
Num passadotão distante e seco e só

Vi meu pai - tão doce a face que sorria -
No rebento que me fez deixar o pó
Minha mãe deitada linda - já dormia -
Quando ao ventre lhe cortaram o meu nó

Foi a morte que bateu em minha porta
A mais negra peste desta minha horta!
Que ao chão já não mais pode enraizar

Ouvi da mãe celeste o grito: - Filho volta!
Dou-te os anjos para te fazerem escolta
Tua vida há de apenas começar!

23 de Agosto de 2011

domingo, 21 de agosto de 2011

Transa Suburbana




O todo mostra-se parte do que vejo
Nos semáforos o cansaço de um palhaço imundo
E a mulata em toda graça no cortiço
Corre o olho para ver a confusão
De um casal que fofoca ali no chão
Sobre a culpa de quem é o dono disso

Um retrato no escritório me acompanha
Na esquina ouço a voz de uma campanha
Que se dobra numa garrafa de cerveja
Na iminência de molhar ela goteja
No bigode de um sargento sem emprego
Que reflete sobre a dor de um apego
De ficar sempre só naquela mesa

Lá no morro latem cães para um mendigo
Que num tempo de segundo chora louco
Por lembrar que se pudesse, por tão pouco
Ser maestro pra reger o que descrevo
Ser maior pra escrever o que não vejo
Ser a voz pra cantar o que não digo.

João Pessoa, 10 de Novembro de 2008.

domingo, 3 de julho de 2011

Meu você

Queria que me notasse, como quem nota que o cigarro está chegando ao fim...
Queria que ouvisse o tom torto de um coração cinza, perdido ao vento...
como minha cabeça sudoeste que doi quando você não entardece comigo...
Quero que feche os olhos e eu te entregarei a claridade, como numa surpresa presa em minha mão...
E com sutileza, quero cruzar seus dedos nos meus e pode ver em você eu quando era menino...
Quero sentir o frio na barriga do primeiro dia de aula, quando a gente passa pela primeira vez na sala...
Quero que seja o amor de infância da minha adolescência e voe comigo olhando as estrelas deitado na praia...
Quero limpar o sorvete que vai escorrer da sua boca quando eu tirar um sorriso seu...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Tia Marlinda


És um mar de coração tão grandioso
Menina linda com "ar" de mulher correta
Dentre as três, a mais velha flor poeta
Do poeta que hoje está tão orgulhoso

Minha tia, minha avó, o meu tesouro
Me despeço com um beijo em sua testa
E com um pouco da força que ainda resta
Dou-te os braços pra um abraço carinhoso

Deus te guie pelos campos mais floridos
E que os noventa e tantos anos já vividos
Multipliquem-se por vidas bem mais lindas...

Que o meu choro seja o choro enriquecido
Pela água que trará o meu sorriso
Quando lembrar-me de ti, doce Marlinda!

* 11/07/1917
+ 21/06/2011


De seu sobrinho neto Bruno Falcão.


- Poema que foi com ela dentro do caixão, junto com uma rosa. -